quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Simples assim...

Como é bom adormecer com o delicioso barulhinho da chuva caindo lá fora.
Após seu cessar toda natureza fica mais colorida.
Talvez a alegria da grama molhada se faça presente em forma de cores.
Alegria de saber-se fresca e viva.
Por vezes uma névoa parece tomar toda minha visão, mostrando nada mais do que a monotonia do meu dia-a-dia.
Mas o clima está aí para convencer-me de que os dias não são todos iguais.
Dias frescos, dias sem ventos, dias com chuva...
Na vida de cada um de nós também é assim.
Todos os dias pessoas passam deixando rastros de alegria, outras nem tanto, tem dia de ficar feliz ao saber que aquele amigo está lá, ainda que não nos falemos há bastante tempo, algumas surpresas, decepções, tem dia que aquela borboletinha amarela insiste em pousar no nosso braço.
Creio que as crianças são realmente felizes e satisfeitas exatamente porque vêem com olhos de criança.
Se surpreendem tanto porque suas expectativas são pequenas.
Acham bonito o feio porque enxergam o que está por trás da aparência.
Se encantam com a mesma paisagem porque olham sempre por ângulos diferentes.
São despreendidas da mesmice.
E como gostam de brincar com a chuva.
Não! Penso mesmo que a chuva é que gosta de brincar com as crianças...

Sil

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Eu vejo o futuro repetir o passado...

A realidade de tempo é individual. Vejo o tempo como espaço, distância e circunstância. Mas deixando meus conceitos de lado, nesse espaço ocorrem mudanças que me fascinam, os sentimentos se equilibram e a visão se alarga. O agora passa muito rápido, não dá pra pensar direito, discernir ou decidir com clareza, e com a correria do dia a dia, tudo é pra ontem, os sentimentos e emoções gritam, junta a carência com uma fase muito ruim ou muito boa e a gente se confunde, acabamos por nos agarrar a alguém ou alguma situação que pareça de alguma maneira nos suprir ou aliviar.

O tempo afasta, mas também aproxima, tanto encanta, como desencanta, às vezes só com o tempo é possível perceber que não vale a pena... ou não valeu.

Sil

domingo, 24 de julho de 2011

Todos os dias agora acordo com alegria e pena

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho.
E posso estar na realidade onde está o que sonho.

Não sei o que hei de fazer das minhas sensações,
Não sei o que hei de ser comigo.
Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.

Quem ama é diferente de quem é.
É a mesma pessoa sem ninguém.

Alberto Caeiro - Heterônimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de julho de 2011

As coisas tão mais lindas

Entre as coisas mais lindas que eu conheci
Só reconheci suas cores belas quando eu te vi
Entre as coisas bem-vindas que já recebi
Eu reconheci minhas cores nela
Então eu me vi

Está em cima com o céu e o luar
Hora dos dias, semanas, meses, anos, décadas
E séculos, milênios, que vão passar
Água-marinha põe estrelas no mar
Praias, baías, braços, cabos, mares, golfos
E penínsulas e oceanos que não vão secar

E as coisas lindas são mais lindas
Quando você está
Onde você está
Hoje você está
Nas coisas tão mais lindas

Porque você está
Onde você está
Hoje você está
Nas coisas tão mais lindas

Nando Reis

terça-feira, 21 de junho de 2011

Do "Livro do Desassossego" - Fragmento 6

Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas. Por vezes amolece-se-me a alma, e então os pormenores sem forma da vida quotidiana bóiam-se-me à superfície da consciência, e estou fazendo lançamentos à tona de não poder dormir. Outras vezes, acordo de dentro do meio-sono em que estagnei, e imagens vagas, de um colorido poético e involuntário, deixam escorrer pela minha desatenção o seu espetáculo sem ruídos. Não tenho os olhos inteiramentes cerrados. Orla-me a vista frouxa uma luz que vem de longe; são os candeeiros públicos acesos lá em baixo, nos confins abandonados da rua.

Bernardo Soares - Heterônimo de Fernando Pessoa

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Acontecimentos

Eclesiastes 11;5

"Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da que está grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas."

O que parece impossível costuma revelar-se com a mais pura naturalidade e quando menos se espera.

Sil

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Décima elegia

Só na velhice o vento não ressuscita.
A água dos olhos entra na surdez da neve
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.

O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.

Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.
O exílio é na carne.

Esmorece o esforço de conciliar a verdade
com a realidade.
A neblina nos enterra vivos.

Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,
o riso atravessa o osso.
Deciframos a descendência do vinho.

Os segredos não são contados
porque ninguém quer ouvi-los.
O lume raso do aposento é apanhado pela ave
a pousar o bule das penas na estante do mar.

Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.
O suspiro é mais audível que o clamor.

Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.

Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.
O nome passa a me carregar.

É penoso subir os andares da voz,
nos abrigamos no térreo de um assobio.
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.

O ódio esquece sua vingança.
Amamos o que não temos.

Só na velhice digo bom-dia e recebo
a resposta de noite.
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.

Só na velhice quantos sofrem à toa
para narrar em detalhes seu sofrimento.

O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.

Sustentamos o atrito com o céu, plagiando
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.

Só na velhice há o receio em folhear edições raras
e rasgar uma página gasta do manuseio.
Embalo a espuma como um neto.

Confundimos a ordem do sinal da cruz.
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.

Só na velhice a forma está na força do sopro.
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre
faleceu duas vezes.

O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria.

Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite
após arrebentar-se em música.
Creio na cerração das manhãs.
Conforto-me em ser apenas homem.

Envelheci,
tenho muita infância pela frente.

domingo, 5 de junho de 2011

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos,
quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.

Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia  morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

sábado, 4 de junho de 2011

Palavras ou vinho tinto

Tanto doce... suave
Como meio seco ou extra seco
De sabor ácido
Da cor do sangue
Do rubi ou violeta
Traz as verdades
Alegra mas também entristece
Dá a sí e ao outro coragem
Mas também acovarda
Passado do tempo envelhece e azeda
Perfuma
É amigo
Cura
Mas também mata

Sil

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O valioso tempo dos maduros

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade...
Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial.

Mário Coelho Pinto de Andrade

terça-feira, 31 de maio de 2011

O efeito borboleta no cotidiano

A teoria do caos me chama a atenção quase que diariamente. Pensamos ter domínio sobre nossa vida, nossos sentimentos e sobre nossos ideais, criamos metas e fazemos os cálculos mais minunciosos. No ponto de vista determinístico está tudo perfeito e sob controle. Estaria, se não houvesse a interação de tantos outros fatores que independem de nossa vontade, de nossos cálculos e de nosso controle.
O destino é complexo demais, caótico, portanto, incerto. Qualquer intervenção por mais simples que possa parecer, tem grande influência sobre o resultado final ou o futuro.
Admiro os que dizem que de nada se arrependem. Eu me arrependo muito do que fiz e também do que deixei de fazer.
A teoria do caos é certa e presente em todas as ciências, e está ligada também ao livre arbítrio... livre arbítrio este que pode significar grandes ou nenhuma mudança. Uma palavra, uma atitude, um nada fazer e até um olhar ou um sorriso é capaz de mudar todo um presente e futuro. E como saber o que deve ser feito? Só arriscando, com a conciência de que o tempo não volta atrás, e eu, como cristã, creio sim na intervenção de Deus sobre todos os aspectos da nossa vida, inclusive sobre os "efeitos borboletas".

Sil

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Hello, sweet girl!!!


Olá doce garota, não é assim que você gosta?
Às vezes quando estamos sozinhos, sentimo-nos ótimos em lembrar de quem gostamos. Não sei todos, mas eu sinto-me bem, isto é ser humano.
Talvez me torno ridículo em expressar isto, mas como já disse, sinto uma enorme satisfação. É como comer um bolo inteirinho sem respirar, é como ter três sonhos em três sonhos, é como levantar num sábado apenas nublado e enfim, ouvir a bela voz de Janis Joplin.

Olha os belos contornos daquela montanha, as nuvens, imagine! Estou falando com você! Sabe o que parece? Um danTop com cobertura de chantily, você não acha?
Uns satisfazem suas vontades com desejos, outros com conquistas, cada um com seu especial "jeito de ser".

De todas pistas danificadas, sempre existe uma bela rosa, uma bela árvore com um belo ninho e claro, um pássaro lindo com filhotes lindos também. Nem tudo parece ser o que é.

Uma bela melodia alimenta a alma, você não acha?
Se você adivinhar o que estou ouvindo agora! Ou melhor, ouvindo e observando. Fui pego de surpresa!
Já as belas cortinas de isopor, são brancas e leves.
Apesar de falar nada, é como adorar um pingo d'água que se transformará num belo cristal.
Antes que me esqueça, não falei das belas cores que nos cercam, são lindas não são?

Sabe, parece muito babaca da minha parte, mas gostaria que sentisse o mesmo, isto é, um controle de emoções, estou sentindo falta de sua presença e saiba também que se partir, sentirei uma grande falta, um pedaço arrancado do meu ser, e a propósito, saiba também que conquistou o maior de todos os carinhos que a raça humana faz ou consegue sem comprar.

Ouço uma bela música que você gravou, você sabe do que se trata?

Um beijo muito louco para uma pessoa que compreênde numa tal magia que me assusta.
And now: BYE, BYE SWEET GIRL...

Marcelo Udo

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os homens... segundo Vinicius de Moraes

Os homens bons são feios.
Os homens bonitos não são bons.
Os homens bonitos e bons são gays.
Os homens bonitos, bons e heterossexuais estão casados.
Os homens que não são bonitos, mas são bons, não tem dinheiro.
Os homens que não são bonitos, mas que são bons e com dinheiro, pensam que só estamos atrás de seu dinheiro.
Os homens bonitos, que não são bons e são heterossexuais, não acham que somos suficientemente bonitas.
Os homens que nos acham bonitas, que são heterossexuais, bons e tem dinheiro são covardes.
Os homens que são bonitos, bons, tem dinheiro e graças a Deus são heterossexuais, são tímidos e NUNCA DÃO O PRIMEIRO PASSO!
Os homens que nunca dão o primeiro passo, automáticamente perdem o interesse em nós quando tomamos a iniciativa. AGORA... QUEM NESSE MUNDO ENTENDE OS HOMENS?!

Moral da História:

"Homens são como um bom vinho. Todos começam como uvas e é dever da mulher pisoteá-los e mantê-los no escuro até que amadureçam e se tornem uma boa companhia para o jantar!"

Vinicius de Moraes

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Eu não sei falar de amor

Talvez porque eu não ame
Ou será que eu nunca amei?
Houve momentos que pensei amar
Mas o momento passou
E o amor? Acabou?

Amor de ficar juntinho pra sempre eu já senti
Tantas vezes... nem me lembro
Não era amor

Mas quem pode dizer que ama?
Que amou?
Quantas vezes me disseram eu te amo!!!
Quem diz sabe o que é amor?

Amor fraternal é o que eu sinto
A todos que de alguma maneira tem um espaço na minha vida
Às vezes até incompreendida
Mas eu amo amar assim...

Sil

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada,
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho.

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,
E a minha cabeleira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho.

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo,
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei, se te perdi...

Florbela de Alma da Conceição Espanca

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mulheres de Atenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas

Quando amadas, se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas, cadenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas

Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas

Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos
Os novos filhos de Atenas

Elas não tem gosto ou vontade
Nem defeito, nem qualidade
Tem medo apenas
Não tem sonhos, só tem presságios
O seu homem, mares, naufrágios...
Lindas sirenas, morenas

Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas

As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas, serenas


Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas

Chico Buarque

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Outonos e primaveras...


Primavera é tempo de ressurreição. A vida cumpre o ofício de florescer ao seu tempo. O que hoje está revestido de cores precisou passar pelo silêncio das sombras. A vida não é por acaso. Ela é fruto do processo que a encaminha sem pressa e sem atropelos a um destino que não finda, porque é ciclo que a faz continuar em insondáveis movimentos de vida e morte. O florido sobre a terra não é acontecimento sem precedências. Antes da flor, a morte da semente, o suspiro dissonante de quem se desprende do que é para ser revestido de outras grandezas. O que hoje vejo e reconheço belo é apenas uma parte do processo. O que eu não pude ver é o que sustenta a beleza.

A arte de morrer em silêncio é atributo que pertence às sementes. A dureza do chão não permite que os nossos olhos alcancem o acontecimento. Antes de ser flor, a primavera é chão escuro de sombras, vida se entregando ao dialético movimento de uma morte anunciada, cumprida em partes.

A primavera só pode ser o que é porque o outono lhe embalou em seus braços. Outono é o tempo em que as sementes deitam sobre a terra seus destinos de fecundidade. É o tempo em que à morte se entregam, esperançosas de ressurreição. Outono é a maternidade das floradas, dos cantos das cigarras e dos assovios dos ventos. Outono é a preparação das aquarelas, dos trabalhos silenciosos que não causam alardes, mas que mais tarde serão fundamentais para o sustento da beleza que há de vir.

São as estações do tempo. São as estações da vida.

Há em nossos dias uma infinidade de cenas que podemos reconhecer a partir da mística dos outonos e das primaveras. Também nós cumprimos em nossa carne humana os mesmos destinos. Destino de morrer em pequenas partes, mediante sacrifícios que nos faz abraçar o silêncio das sombras...

Destino de florescer costurados em cores, alçados por alegrias que nos caem do céu, quando menos esperadas, anunciando que depois de outonos, a vida sempre nos reserva primaveras...

Floresçamos.

Fábio de Melo

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Coisas importantes

Importante é guardar segredos, ser leal, ter princípios e respeitá-los.
É estar presente ainda que na ausência.
É fazer o que gosto, independente se vou ganhar muito ou nada.
É poder chorar, e sair sem dizer tchau e depois pedir desculpas.
Importante é a atitude, e não a promessa.
É fazer pão e sempre me encantar com o milagre do fermento.
É não me incomodar só porque fiquei toda lambuzada e com a roupa suja de sorvete.
É saber que Deus entra no meu quarto, senta na minha cama e conversa comigo desde que eu era criança.
Importante é não ser impregnada de falsas posturas, chamando de gafe ou ridículo, o que é engraçado e no fundo, comum a todos.
É esperar para ter certeza que o cachorrinho conseguirá atravessar a rua driblando os carros.
É saber que aquele problema que ficou lá atrás, ainda vai exigir uma solução.
É brindar, mesmo que não exista muitos motivos para isso.
Importante mesmo, é deixar claro que estou bem longe da perfeição que gostaria, que vou ter dores de cabeça, vou surtar de vez em quando, vai me faltar o humor e às vezes vou dormir antes da hora.

Sil

sábado, 16 de abril de 2011

Do Livro "Do Desejo"

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

Hilda Hilst

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Olhar marejado

Eclesiástico 30; 22-25

"Não entregues tua alma à tristeza, não atormentes a ti mesmo em teus pensamentos. A alegria do coração é a vida do homem, e um inesgotável tesouro de santidade. A alegria do homem torna mais longa a sua vida. Tem compaixão de tua alma, torna-te agradável a Deus e sê firme; concentra teu coração na santidade, e afasta a tristeza para longe de ti, pois a tristeza matou a muitos, e não há nela utilidade alguma."

Sabe aquele dia em que um piscar de olhos mais forte já derrama uma lágrima? Hoje estou assim...

Sil

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Palavras fartas... palavras farpas

Pobres são as palavras usadas inconsequentemente.
O que uma palavra pode expressar hoje, amanhã talvez não, amanhã talvez outra.
Só na ausência a palavra sobrevive.
E o que dizer das palavras ditas em vão, palavras mal ditas, palavras não ditas.
Que doçura há em não dizer nada!
Quanto mal poderia ser evitado se as pessoas se calassem mais, mas ao contrário, preferem fazer das palavras espadas, demonstração de vaidade, soberba ou superioridade.
São as atitudes que revelam o que está por trás das palavras. Se estou feliz eu grito, danço, pulo em cima da cama. É escancarando minha humanidade que muitas vezes julgo desnecessário o uso das palavras.

Sil

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Áspero amor

Áspero amor, violeta coroada de espinhos...
Arbusto entre tantas paixões erguidas,
Lança das dores, coroa da ira,
Por quais caminhos e como te dirigiu a minha alma?
Por que precipitaste teu fogo doloroso,
Repentinamente, entre as folhas frias do meu caminho?
Quem te ensinou os passos que te levaram a mim?
Que flor, que pedra, que fumaça mostraram minha casa?
A verdade é que tremeu a noite apavorante,
A aurora encheu todas as taças com seu vinho
E o sol estabeleceu sua presença celeste,
Enquanto o amor cruel me cercava sem trégua,
Até que padecendo-me com espadas e espinhos,
Abriu meu coração um caminho ardente.

Pablo Neruda

terça-feira, 5 de abril de 2011

Onde está o Gamão?

Há tempos deixei de me esforçar para entender o ser humano, é desgastante e desperdício de energia. Perdeu-se a naturalidade, a franqueza e a espontaneidade. Infelizmente a maioria das pessoas faz da vida um jogo, onde cada palavra, cada gesto ou passo dado é muito bem calculado e as regras são atacar, se defender e sobretudo blefar. O ego não aceita a demonstração das imperfeições e das fraquezas, o que ao meu ver, não justifica a falta de responsabilidade de ser o que realmente se é. Somos singulares, temos talentos e qualidades que nos diferenciam uns dos outros, ninguém é completo sozinho e essa é a totalidade do ser humano. Não se pode ser amado e aceito por todos, independente se jogando ou sendo verdadeiro. Não é mais fácil e menos frustrante se assumir, já que os riscos serão os mesmos?

Sil

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro.

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst

domingo, 3 de abril de 2011

Sonhe com aquilo que você quiser

Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.

Clarice Lispector

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Minha realidade, meu tesouro

Faz tempo deixei de carregar as pedras
Meus valores levo-os comigo
Aceito os fatos
Assumo as faltas
Peço perdão pelos pecados tantos
Não escondo tristezas
Não guardo saudades
O agora é a única chance
Insisto na virtude
Racionalizo escolhas
Vivo como quem busca
Faço o possível
Confio o impossível a Deus
A subjetividade é o que me encanta
As atitudes o que me convencem

Sil

quinta-feira, 31 de março de 2011

O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige, nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 30 de março de 2011

Esquadros

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ah, eu quero chegar antes
Pra sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...

Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?

As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Tudo enquadrado
Remoto controle...

Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Adriana Calcanhotto

segunda-feira, 28 de março de 2011

Todo o resto é ilusão

Tudo é vaidade... faço minhas as palavras de Eclesiastes "Tudo é vaidade debaixo do sol".
Deviamos aprender na infância, na escola, que a vida não é um parque de diversões onde tudo é belo e que estamos aqui para sermos felizes, estamos de passagem, e a felicidade é muito breve e é muito cansativo ficar buscando ser feliz o tempo todo.
Tudo passa e só o que fica é a dor, esta dura até o último suspiro, e são inumeráveis os motivos para ela se alojar, impregnar-se na alma ou em algum lugar do corpo. Que vida de felicidade é essa, se no final vamos todos ficar gelados, dentro de uma caixa de madeira, com um monte de gente olhando pra nós?
O bom da vida é estar com quem amamos, é comer do fruto do nosso trabalho, ter amor, sorrisos e paz para compartilhar. Mas a dor... nunca deixará de estar lá, seja porquê motivo for e todo o resto é ilusão... felicidade mesmo e duradoura, só depois que esta vida acabar.

Sil

domingo, 27 de março de 2011

Trocando em miúdos

Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim
Não me valeu
Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim
O resto é seu

Trocando em miúdos, pode guardar
As sobras de tudo que chamam lar
As sombras de tudo que fomos nós
As marcas do amor nos nossos lençois
As nossas melhores lembranças

Aquela esperança de tudo se ajeitar
Pode esquecer
Aquela aliança, você pode empenhar
Ou derreter

Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado

Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu

Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde

Chico Buarque / Francis Hime

quarta-feira, 23 de março de 2011

Vazio

A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua.

Vinicius de Moraes - O Caminho Para A Distância

terça-feira, 22 de março de 2011

Socorro!

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir...

Socorro!
Alguma alma mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada...

Socorro!
Alguém me dê um coração
Que esse já não bate, nem apanha
Por favor
Uma emoção pequena, qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos
Deve ter algum que sirva...

Socorro!
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento, encruzilhada
Socorro! Eu já não sinto nada...

Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Nem vontade de chorar
Nem de rir...

Arnaldo Antunes / Alice Ruiz

sexta-feira, 18 de março de 2011

Do "Livro do Desassossego" - Fragmento 5

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não ficarem ali?

Bernardo Soares - Heterônimo de Fernando Pessoa

domingo, 13 de março de 2011

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A Ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade